NOTA TÉCNICA Nº 01/2025
O Conselho Regional de Química da 8ª Região, no exercício de suas atribuições conferidas pela Lei nº 2.800/1956, vem a público manifestar-se sobre os recentes casos de intoxicação por metanol relacionados ao consumo de bebidas alcoólicas irregulares em alguns estados do país, como São Paulo, Pernambuco, Bahia e no Distrito Federal. Tais episódios têm resultado em internações, sequelas neurológicas graves como cegueira permanente e, em alguns casos, óbitos.
Esta Nota Técnica tem o objetivo de esclarecer os riscos do uso indevido de metanol em bebidas, apresentar os fundamentos legais sobre a produção e fiscalização de bebidas alcoólicas e propor ações preventivas e educativas junto à população e aos órgãos competentes.
O metanol (𝐶𝐻3𝑂𝐻) é um composto orgânico pertencente à classe dos álcoois, também denominado de álcool metílico. É utilizado industrialmente como solvente, na produção de formaldeído, combustíveis, e em processos químicos diversos. Sua presença em bebidas alcoólicas é tolerada apenas em níveis traços e controlados, pois trata-se de uma substância altamente tóxica ao organismo humano se ingerida, inalada e até mesmo em contato prolongado com a pele. A toxicidade do metanol se dá, sobretudo, por seu metabolismo hepático. Após a ingestão, o metanol é convertido pela enzima álcool desidrogenase (𝐴𝐷𝐻) em formaldeído (𝐶𝐻2𝑂), e este, por sua vez, em ácido metanoico (HCOOH) pela enzima formaldeído desidrogenase (𝐹𝐴𝐿𝐷𝐻), compostos que interferem no metabolismo mitocondrial e causam acidose metabólica severa, neurotoxicidade e lesões irreversíveis no nervo óptico, podendo levar à cegueira permanente e ao óbito. Mesmo doses relativamente pequenas podem causar danos graves: cegueira – com a ingestão de aproximadamente 4𝑚𝐿 de metanol, e óbito – com a ingestão de cerca de 20𝑚𝐿 [1]. O tempo de latência dos sintomas pode variar, com média de 12 horas após o consumo. Em manuais de toxicologia, é mencionado que “danos visuais permanentes podem ocorrer com ingestão mínima de 30𝑚𝐿 de metanol”, embora essa dose seja elevada e mais frequentemente associada à mortalidade [2].
Durante a produção de bebidas alcoólicas por fermentação e destilação, o metanol pode ser formado naturalmente em pequenas quantidades. A principal via de formação se dá a partir da hidrólise térmica de pectinas presentes nas matérias-primas vegetais ricas em fibras, como frutas (especialmente maçã, ameixa, pêssego, uva etc.). A enzima pectinesterase (𝑃𝐸), naturalmente presente ou adicionada durante o processamento, catalisa a desmetilação das pectinas, liberando metanol como subproduto.
Durante o processo de destilação, os compostos voláteis da mistura fermentada são separados com base em seus pontos de ebulição. O metanol, com ponto de ebulição (P.E.) de aproximadamente 64,7°𝐶, evapora antes do etanol (P.E. = 78,4°𝐶), estando presente na chamada “fração de cabeça” (head fraction) da destilação. Em destilarias profissionais, devidamente operadas por profissionais credenciados pelos CRQs, esta fração inicial é descartada, uma vez que concentra os álcoois mais leves e tóxicos. No entanto, em produções artesanais ou clandestinas, esse controle muitas vezes não é feito adequadamente, resultando em maior concentração de metanol na bebida final.
Em casos mais graves, o metanol não é apenas um subproduto, mas é adicionado de forma criminosa às bebidas para aumentar artificialmente o teor alcoólico, dada sua semelhança sensorial com o etanol em soluções diluídas. Tal prática é ilegal e extremamente perigosa, resultando em surtos de intoxicação aguda, como os relatados em diversos estados brasileiros nas últimas semanas.
No Brasil, a destilação de bebidas alcoólicas é regulamentada pela Lei nº 8.918/1994, que dispõe sobre a padronização, classificação, registro, inspeção, produção e fiscalização de bebidas; e pelo Decreto nº 6.871/2009, que regulamenta a Lei nº 8.918/1994. Outros instrumentos importantes são a Instrução Normativa MAPA nº 13/2005, que estabelece o Regulamento Técnico para Fixação dos Padrões de Identidade e Qualidade para Aguardente de Cana e para Cachaça; a Resolução RDC/ANVISA nº 14/2014, que dispõe sobre contaminantes em alimentos e bebidas; e a Instrução Normativa nº 140/2024, uma das mais recentes a consolidar normas para vinhos e bebidas. A legislação define requisitos para os produtos, como teores alcoólicos específicos para bebidas como cachaça e aguardente de cana, e limites para substâncias como metanol e congêneres. Vale destacar também que o Código Penal, em seu Art. 272, tipifica o crime de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de substâncias ou produtos alimentícios, que se tornam nocivos à saúde ou perdem valor nutritivo. A pena é de reclusão de 4 a 8 anos e multa, e também se aplica a quem fabrica, vende ou entrega esses produtos para consumo [3-9].
O CRQ-VIII reforça que apenas profissionais legalmente habilitados devem operar processos de produção de bebidas alcoólicas, respeitando as boas práticas de fabricação e as normas vigentes. A ingestão de bebidas adulteradas com metanol representa grave risco à saúde pública e à segurança do consumidor, exigindo ações conjuntas entre órgãos de fiscalização, profissionais da Química e a sociedade civil.
Pelo exposto, o CRQ-VIII recomenda que os consumidores evitem adquirir bebidas de origem desconhecida ou sem registro junto ao Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) ou à ANVISA, e que fiquem atentos a rótulos, selos fiscais e demais sinais de procedência do produto. Também é fundamental que órgãos de fiscalização intensifiquem a vigilância sobre a produção e comercialização de bebidas, realizando apreensões e análises laboratoriais sempre que houver suspeita de adulteração. Os profissionais da Química devem exercer sua responsabilidade técnica com rigor, recusando-se a validar processos que estejam em desacordo com a legislação vigente e notificando o CRQ-VIII sempre que identificarem irregularidades.
O CRQ-VIII reitera seu compromisso com a proteção da saúde da população sergipana, a valorização da química e a atuação ética e técnica dos profissionais habilitados. A prevenção de tragédias causadas pela ingestão de bebidas adulteradas depende da atuação integrada de autoridades, técnicos e da sociedade como um todo.
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ARACAJU/SE, 03 DE OUTUBRO DE 2025.
CONSELHO REGIONAL DE QUÍMICA VIII REGIÃO/SE
Elaboração: Conselheiro Regional Anderson Dantas de Souza Revisão técnica: Conselheiro Regional Michel Rubens dos Reis Souza Aprovação: Conselheiro Regional José Jailton Marques